Capítulo 2!
- maridasx8
- 6 de fev. de 2017
- 22 min de leitura
Aulas de piano são sim, obrigatórias. "É digno de uma princesa que saiba apreciar e praticar artes", dizia meu tio. Mas o fato de ter que fazer essa aula não me incomodava nem um pouco. Na verdade, é algo que me completa, que me tira dos problemas e me leva para um mundo onde eu não tenho preocupações. Eu escuto aquele som que me purifica. É como se ao entrar nos meus ouvidos, ele passeia pelo meu corpo, me deixando leve.
Eu estava extremamente preocupada com a resposta que daria ao Ryan. Lora estava certa, afinal.
Certa pianista me disse uma vez, que se estamos tristes, o piano está triste. Se estamos felizes, o piano está feliz. E foi isso que aconteceu.
Tocava músicas lentas, em acordes e tons que expressavam claramente os meus sentimentos. Tocava músicas que se adequavam a um velório. Eu queria mesmo sair daquele desespero, mas de certa forma ele era acolhedor. Fiquei boa parte do meu tempo repetindo a mesma música triste, no meu piano acústico, que ecoava pela sala. O Rei, meu suposto professor, pelo visto não prestava atenção ao que eu tocava. Assim que percebi, toquei uma nota errada, propositalmente. Em outros dias, ele me repreenderia, e me mostraria o jeito certo de se tocar, além de me pedir para começar do início novamente. Mas desta vez ele nem percebeu. Errei mais uma, e outra nota. Nenhuma reação. Estava estragando a música de quem quer que fosse o autor daquela sinfonia, mas meu querido tio não notava.
Mas que droga! Será que mesmo depois de arruinar a minha vida meu tio nunca vai prestar atenção em mim? Ele quer que eu seja uma boa rainha para a Irlanda, mas quem disse que ele já me mostrou, na prática, como fazer? Quero dizer, sei que ele tem um reino inteiro para governar, mas ele podia me dar um pouquinho de atenção, mesmo que eu queira essa atenção só para falar umas verdades e brigar com ele. E o que mais me irrita nisso tudo não é nem a falta de atenção, com a qual eu já me acostumei, mas o fato de que parece que ele pensa que eu sou uma marionete esperando para ser manipulada! Cada passo, cada palavra, cada reação, tudo planejado por ele, para que eu siga o roteiro fielmente e "me torne uma boa rainha para Ryan e toda a Irlanda". Ele nunca nem sequer perguntou o que eu quero, desde cor de sapatos que eu queria comprar ao príncipe com o qual eu devo me casar! E ter que aguentar tudo isso em silêncio, sorrindo, como se estivesse tudo ótimo! "Seja gentil, Lea.", "Recepcione os convidados, Lea.", faça isso, faça aquilo, e nem me perguntar o que eu achei da decisão já tomada por ele, nunca me perguntaram!
Por fim, depois de ter errado mais algumas notas e nada do meu tio notar, bato minhas mãos com força nas teclas brancas e pretas do grandioso piano de calda, ecoando um estrondo por toda a sala de música, fazendo o Rei se despertar do seu transe.
- Está tudo bem? - ele pergunta, preocupado.
Suspiro alta e lentamente, numa tentativa de controlar os sentimentos que explodiam dentro de mim.
"Claro que está! Depois de você ter praticamente me obrigado a aceitar o pedido de casamento adiantado do homem para quem sou prometida sem o meu consentimento e não ter me dado nem um tempinho para pensar no assunto, por que eu não estaria bem? Estou ótima! "
Isso era o que eu queria falar, mas o que realmente disse foi:
- Claro, tio! - respondo, sentindo as palavras rasparem como pedras em minha garganta - Agora, se me permite, preciso ir me encontrar com a Lora.
Saio do grande salão com a postura devidamente ereta e me dirijo para o jardim principal. Lora me espera sentada em um banco de madeira, com a postura elegante e autoritária de uma futura governante.
Assim que percebe a minha expressão nada contente, a jovem menina suspira.
- O que foi desta vez? Lhe mandaram se afastar para o reino da França?
- Quase pior do que isso. - reclamo.
- Ora, vamos! Eu esperava poder te contar sobre como o filho do barão estava me galanteando e eu gentilmente o estava dispensando! - Lora conta, animada.
Suspiro, massageando as têmporas. Uma enxaqueca que parece ser simplesmente o peso do meu falso bem-estar faz minha cabeça latejar e meus olhos arderem, me dando vontade de arrancá-los.
- Sinceramente, Lora? Me conte outra hora. Agora eu estou querendo mais é saber como vou contar para o Sean sobre esse pedido de casamento... - falo, mais para mim do que para ela.
- Imaginei... - ela diz, decepcionada. No entanto, logo uma luz se acende em seus olhos - Então, já que é assim, non c'è tempo come il presente! - Lora diz em italiano. Quando ela fala italiano nunca é um bom sinal.
Sigo seu olhar e meus olhos encontram a figura autoritária e bem vestida de Sean conversando - comandando - com outros dois guardas.
Respiro fundo e me levanto, sentindo o olhar de apoio de Lora às minhas costas. Eu não sei como vou contar a ele sobre o pedido, mas se não for agora vai ser em outro lugar. Respiro fundo mais uma vez, para evitar que, ao chegar lá, eu explodisse e começasse a cuspir palavras raivosas da boca para fora, e descontasse nele todo o estresse que meu tio vinha me causando. Guardo minha raiva para mim mesma, estampando o tão conhecido sorriso forçado em meu rosto, agora a poucos metros de Sean e os outros dois.
-Alteza.
Todos cumprimentam, ao mesmo tempo, fazendo a maldita reverência. Aumento um pouco o sorriso, em forma de agradecimento.
-Cavalheiros, se me derem licença, eu gostaria de conversar a sós com o capitão da guarda. - eu peço, educadamente.
Os dois guardas, os quais nem ao menos sei os nomes, afirmam com a cabeça e saem com uma expressão aliviada, logo após repetirem a reverência. Aparentemente o Sean não estava muito contente com eles.
-O que houve, aconteceu alguma coisa? - indagou Sean, preocupado. Não o culpo, raramente nos falamos fora dos encontros de madrugada.
-Sean, nós... Temos que conversar. - eu disse, cabisbaixa, andando em direção a um local um pouco mais isolado do pátio. Olhei para o lago à nossa frente, observando as vibrações que os peixes causavam na água cristalina.
-Lea, a senhorita está me preocupando! - ele respondeu.
Sua expressão deixava claro para mim que ele se perguntava o que havia de errado.
-O Ryan... - eu consegui falar, quase que num sussurro.
Mesmo que ainda evitando olhar para Sean, pude ver pelo canto do olho sua mudança de postura. Agora, estava bravo e protetor.
-O que ele lhe fez? Ah, mas se esse príncipezinho acha que vai te machucar e sair ileso, ele está redondamente enganado! - ele exclamava, aumentando o tom de voz e ficando de pé.
-Não, Sean, não é nada disso! Ele não me causou mal algum. - coloquei minha mãos em seus ombros e o guiei até a estufa que estava a poucos metros de lá.
Tomei o cuidado de fechar a porta, e seguir para um banco. Apoiei minhas mãos em seus ombros novamente e fiz uma leve pressão para baixo, como se pedisse para ele se sentar e assim, se acalmar um pouco.
Esperei que sua respiração voltasse ao normal e sua expressão estivesse mais calma. Assim que percebi que poderia continuar, o fiz.
-Você sabe que eu sou prometida para o Ryan, não sabe? - ele afirmou com a cabeça, acostumado com o fato - Meu tio e a realeza da Irlanda haviam feito um trato de que, quando estivéssemos mais velhos, ele me faria o pedido. - eu lembrei, lenta e calmamente, numa tentativa de manter Sean assim.
-Sim, eu sei de tudo isso, nós já conversamos sobre o assunto. - ele me falou, como se ainda não entendesse aonde eu queria chegar. Suspirei. Por mais difícil que fosse ter que contar para o amor da minha vida que eu teria que me casar com outro, era algo que devia ser feito.
-Há alguns meses, a Irlanda tem passado por momentos difíceis, precisando de bastante apoio de todo o Reino Unido. - eu contei. Agora vinha a parte mais difícil. Respirei e fechei os olhos por alguns segundos, sentindo as lágrimas anunciarem sua chegada - E eles acharam que uma boa forma de fortalecer o país seria uma união com a Inglaterra... - eu disse, com a voz fraca e falhada pela vontade de chorar.
Por fim, tomei coragem e olhei nos olhos de Sean. Parecia que ele havia sido apunhalado, tamanha a dor que podia se ver em seus olhos.
-Ele te pediu em casamento. - concluiu, desviando seu olhar para alguns vasos de plantas que estavam à nossa frente.
-Pediu... - confirmo, bem baixinho. Passamos alguns minutos em silêncio, ouvindo a gritaria e a confusão que estavam os nossos sentimentos.
-O que você respondeu? O que você quer? - ele quebra o silêncio, mas ainda evitando me olhar.
-Eu... Não sei. - respondi cabisbaixa. Tudo aquilo era mais doloroso do que eu pensara que seria.
Olhei para Sean, e o cenho franzido me dizia que ele estava com raiva. Com muita raiva.
-Não sabe? NÃO SABE? - ele perguntou, irônico - O QUE FOI, ESTÁ SE PERGUNTANDO SE ELE VAI LHE DAR JÓIAS SUFICIENTES? SE O CASTELO QUE ELE TEM É MAIOR QUE O SEU?
-NÃO, SEAN, VOCÊ SABE QUE EU NÃO SOU ASSIM! EU FALEI QUE EU IA PENSAR SOBRE O ASSUNTO!
Eu gritei também, como se para que ele me ouvisse. Algumas lágrimas já escapavam dos meus olhos marejados. A combinação de choro e corpete apertado dificultava ainda mais a minha respiração, me deixando um pouco ofegante.
-AH, ENTÃO QUAL É O PROBLEMA? O CABELO DELE É LOIRO DEMAIS? SUA FUTURA SOGRA NÃO GOSTA DE VOCÊ?
A sua ironia aumentava cada vez mais, me deixando muito irritada. O jeito que ele falava, parecia que eu nem era a donzela que mais lhe agradava a presença, como ele dizia. Parecia que eu tinha passado a ser mais uma daquelas damas de honra, ou primas distantes de alguém da realeza, onde tudo que importava eram tesouros e beleza, e todos deveriam me servir e me tratar como se eu fosse o ser mais importante do planeta.
-AH, MEU DEUS, SEAN, EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ ESTÁ DIZENDO ISSO! VOCÊ SABE QUE EU NÃO QUERIA NADA DISSO! QUE TUDO QUE EU FAÇO É IMPOSTO PELO MEU TIO!
Eu chorava, mas desta vez de raiva pelo jeito que ele estava me tratando.
Passaram-se mais alguns segundos em silêncio. Eu podia ver pela expressão de Sean que, ao invés de tentar se acalmar, ele parecia alimentar cada vez mais toda aquela fúria. Esperei mais um tempo, e parecia que ele não iria falar mais nada. Por fim, resolvi quebrar aquele silêncio.
-Só pra você saber, eu estava quase decidida a dizer não por sua causa. A provavelmente ser renegada para poder ficar com você. - eu disse, me levantando e saindo da estufa.
No meio do caminho, as lágrimas vieram como uma avalanche, me fazendo correr para o meu quarto e afogar as mágoas no travesseiro.
Permaneci trancada no cômodo por muito tempo, ainda que eventualmente lendo um livro. Lora, Devona e até Catherine já haviam batido à minha porta, mas eu me recusava a abrir.
Escuto novamente o barulho de mãos fechadas batendo levemente na madeira.
-Não adianta, Devona, eu já lhe disse que não tenho fome e que não pretendo me levantar tão cedo.
Eu disse, sem sair da cama.
-É... Com licença, senhorita.
Ao invés da voz delicada de Devona, o que veio aos meus ouvidos foi uma voz bastante grossa e masculina, muito conhecida.
Me levantei devagar, e abri a porta, podendo ver o corpo definido e musculoso de Sean, que estava com as mãos para trás, em forma de respeito. Dei um passo para trás, dando passagem para o capitão da guarda, que observava atentamente cada mínimo detalhe do meu grande quarto, me fazendo lembrar que ele nunca havia estado ali. Depois de alguns segundos, ele enfim falou.
-Eu... Queria me desculpar por mais cedo, foi muito egoísmo da minha parte.
Ele disse, olhando as cortinas de seda lilás que haviam envolta da minha cama.
-Realmente. - concordei - Mas é compreensível.
Ele riu triste pelo meu comentário, dessa vez olhando para os seus próprios pés.
-Eu acho que você deveria aceitar.
Ele disse lentamente, logo após dar um suspiro.
-O quê? Mas Sean, e quanto a você? E quanto a nós?
Eu perguntei, surpresa. A tristeza na minha voz a fazia falhar um pouco.
-Você vai ser mais feliz com ele, com tudo o que ele pode lhe oferecer. Castelos, jóias, respeito...
Para ele parecia algo tão simples e lógico, por mais que sua expressão nos mostrasse o quão difícil estava sendo para ele dizer tudo isso em voz alta.
-Não, Sean, eu não quero nada disso, eu só quero você! Eu não me vejo feliz longe de você!
Eu disse, prestes a chorar novamente.
-Oh, Lea... Acredite. Você será feliz. Muito mais feliz com um príncipe rico do que comigo, que não posso lhe oferecer dote algum.
E quando eu pensei que não tinha mais o que chorar, mais lágrimas escorriam pela minha bochecha.
Corri em direção a Sean, o abraçando o mais forte que pude.
-Por favor, me abandone.
Eu disse, entre soluços.
-Eu nunca vou te abandonar, e nunca vou deixar de te amar.
Ele disse, me apertando mais em seu abraço, de onde eu nunca queria sair. Mais lágrimas desciam pelo meu rosto e acabavam no uniforme azul escuro de Sean.
Depois de minutos assim, que pareceram apenas segundos incapazes de nutrir nosso amor, ele pegou meu rosto em suas mãos, acariciando. Seus olhos cinzentos, iluminados pelo sol que entrava por uma fresta da janela, ganhavam uma linda cor de prata fundida, mas ainda não podiam esconder o quão duro estava sendo para ele, mesmo que ele achasse que era o certo.
-Eu te amo. - eu disse, somente com um movimento dos lábios, tão baixo foi o meu sussurro.
Me aproximei dele, até sentir que estávamos completamente colados. Apoiei minha testa na sua, sentindo a última lágrima descer lentamente pelo meu rosto e pingar no chão, por ter que me despedir daquele abraço, daquele beijo, daquele toque tão desejados.
Finalmente, fiz aquilo que meu coração tanto ansiava, e o beijei com todo o amor e toda a dor que estavam dentro de mim, sentindo sua língua explorar a minha boca com ternura, e ao mesmo tempo, vontade de matar a saudade prévia que com certeza sentiríamos com força nos próximos dias.
Mas eu estava decidida a esquecer isso, só por um momento. Só por um momento eu me permito esquecer essa bagunça de sentimentos que é a minha vida, esquecer o enxame de regras que me rodeia e a avalanche de obrigações que tenho que aceitar cumprir. Só agora, eu me permito mergulhar no amor dá minha vida, mergulhar bem a fundo, desfrutando do sentimento por inteiro que me corrompe todos os dias.
Me afundo nos braços de Sean, me deixando levar pelo seu amor até o último segundo, sabendo que se me afundasse mais a correnteza acabaria por me afogar.
***
O Sean saiu do meu quarto muito tempo depois, quando o sol já estava se escondendo sob as montanhas dos vales. Depois que ele se foi, fiquei lendo por algumas horas, esperando o sol acabar de se pôr para que eu me ajeitasse para dormir.
Por mais que eu tenha vontade de ter outras tardes como essa, e Deus sabe o quanto quero, daqui a pouco tempo eu serei esposa do Ryan, princesa dá Irlanda. Tenho que ser fiel a ele e, por mais que eu saiba que muitas vezes isso não aconteça nos casamentos reais e arranjados, eu não me vejo traindo o Ryan de forma alguma. Não sou esse tipo de pessoa, não viveria bem comigo mesma fazendo isso. No entanto, até o dia do casamento, eu me permitirei desfrutar dos últimos momentos com ele. Mesmo que talvez eu seja descoberta, acho que eles estão desesperados demais por esse acordo para o cancelarem antes de um compromisso verdadeiro. E também não quero perdê-lo, afastá-lo dá minha vida, embora vá doer não poder tê-lo.
Fico andando no quarto de um lado para o outro, sentindo o tecido delicado da minha camisola de cetim azul acariciar minhas pernas todas as vezes que um vento mais forte passava pela fresta aberta da minha janela, incapaz de dormir. Pedi que a criada me trouxesse algum chá de ervas calmante, mas mesmo depois de beber um grande xícara do líquido adocicado meus olhos foram incapazes de se fecharem. Talvez uma volta pelo pátio do castelo pudesse me acalmar, aquietar meus ânimos. Ou talvez um pouco de música.
Após decidir que a volta pelo pátio seria mais eficiente, calço minhas pantufas de veludo e saio pela porta do quarto. As velas dos corredores estavam acesas, provavelmente devido ao fluxo de criadas para me trazerem o chá ou alguma movimentação mais intensa de guardas.
Me guio pelos corredores e escadarias do castelo até chegar ao salão principal. Observo as pinturas elaboradas do teto, representando vários anjos e querubins gorduchos, segurando suas flechas com os dedinhos gordos de bebê. "Idiotice", penso, "Se os anjos realmente existem deveriam se revoltar com essas representações ultrajantes e impotentes de suas figuras!".
Era estranho sair à noite pelo castelo sem ter que me preocupar se alguém me veria, sem ter que me preocupar em sair às escondidas para fazer algo não permitido para mim.
Os guardas que se posicionam familiarmente de cada lado da grande porta de tronco de carvalho me observam com olhar protetor. Obviamente, devido à minha criação ter se dado no castelo, os guardas mais velhos haviam se apegado à mim, de forma a fazerem diversos juramentos de proteção à mim quando requisitado pelo rei.
Geralmente não costumo sair de meus aposentos depois do jantar. Por esse motivo, os dois guardiões da entrada do castelo se entreolham com semblante preocupado.
- Boa noite, Garry - faço um leve cumprimento ao guarda da direita, um pouco mais novo - Cordélius, é um prazer vê-lo! Como está a sua pequena Sally? - pergunto simpáticamente ao guarda da esquerda, um pouco mais velho que o outro.
- Ela está belíssima, Milady. - ele responde gentilmente - Tem quase a idade da Vossa Alteza, a princesa Lora!
Sorrio verdadeiramente para Cordélius ao ouvir as notícias. Sua família sempre foi amiga do rei da Inglaterra, e quando a pequena Sally estava para nascer, mesmo quando eu tinha seis anos, convenci meus pais a conversarem com tio Richard e convencê-lo a se juntar à sua família por uma semana.
O que posso fazer se, desde pequena, tinha personalidade forte?
Garry se remexe, desconfortável.
- Lady, se me permite a pergunta, o que a senhorita está fazendo fora de seus aposentos a esta hora da noite? Quero dizer, com todo o respeito, Milady, mas a senhorita deve se cuidar! Como futura possível rainha da Irlanda a senhorita...
- Deixe que eu mesma me preocupe com minha própria segurança, Garry. - o interrompo com frieza.
Ele se curva para mim, em respeito.
- Se não se incomodam, senhores, poderiam me dar licença? A noite me parece muito longa e eu gostaria de respirar um pouco de ar fresco para clarear os pensamentos.
- Mas, Lady Lea, o Rei Richard nos ordenou que não permitíssemos a sua saída do palácio depois de escurecer! - desta vez quem me barra é Cordélius.
Respiro fundo e calmamente.
- Pelo que vejo, meus senhores, meu tio não está aqui. Então... - argumento, tentando passar pelos corpos pesados envoltos em metais dos dois guardas.
- Sinto muito, senhorita, mas não podemos permitir que passe. Vossa Majestade nos puniria, certamente! - Garry avisa, sem se mexer um milímetro do lugar.
Fecho os olhos e respiro fundo, impaciente.
- Bem, senhores, eu acho que o rei tem muito mais coisas com que se preocupar do que em me deixar sair somente para respirar um pouco de ar fresco. E eu realmente espero que vocês não se importem também, não é mesmo? Afinal, - enfio minha mão na minha bolsinha de couro, que sempre mantenho por perto para conseguir algumas coisas que quero - não há motivos para temer, muito menos para avisar meu tio, concordam?
Coloco nas mãos de cada um deles dez moedas de ouro, o que certamente lhes renderia mais do que uma noite em um bar e uma mulher bonita para... Satisfazer Garry, além de ajudar Cordélius com a família.
Ambos arregalam os olhos e fazem uma reverência, me dando espaço para passar.
Saio do castelo e logo sinto a brisa fresca da noite inglesa atingir meus cabelos. Caminho até uma parte mais reservada do jardim, onde se encontra um único banco de madeira e um jarro de rosas brancas no centro de um círculo de videiras.
Fico de pé, sentindo somente o frescor do vento invadir meu corpo e as dúvidas se apoderarem dos meus pensamentos.
Por que meu tio faria isso? O que tem de mal se eu sair do castelo, contanto que eu permaneça dentro dos portões? Será que... Não. Não é possível. Ele jamais poderia saber sobre mim e Sean. Não existe nenhuma possibilidade dele saber sobre nós. E se ele souber, por que impedir minha saída somente agora?
Um estalo subitamente se faz presente na minha cabeça e eu entendo: antes eu não havia sido pedida em casamento pelo príncipe herdeiro da Irlanda. Agora que ele praticamente já me vê casada com Ryan, está se preocupando em manter minha "pureza", para que não haja o risco de Ryan ter uma surpresa na nossa... Consumação. Ele quer garantir um herdeiro puro para o príncipe, e pensa que se eu sair durante a noite para me encontrar com Sean eu deixarei que passemos dos limites. Como se eu não soubesse do risco que estaria correndo, sendo prometida a um membro da família real desde muito nova, de perder minha cabeça, meu futuro e a cabeça de Sean também.
Será que se Richard sabe, Ryan sabe também? Será que ele também duvida de mim? Da minha pureza? Da minha virgindade?
Não consigo me imaginar casada com Ryan, embora eu devesse. Não consigo nem mesmo nos imaginar na nossa consumação, com todas aquelas pessoas nos olhando enquanto nos entregamos um ao outro, enquanto me entrego contra a minha vontade a ele. Não consigo me imaginar fazendo isso com uma pessoa de quem não gosto, por quem não sinto a mínima afeição, o mínimo desejo.
Claro, Ryan nunca me tratou mal. Sempre foi um cavalheiro comigo. Quando éramos crianças até mesmo éramos amigos! Brincávamos pelas escadarias do seu palácio ou do meu, correndo com os cães e cavalgando pelos campos ao ficarmos um pouco mais velhos.
Contudo, quando passamos a perceber o peso da aliança que representamos, quando eu passei a ser pressionada para ficar com ele, quando começaram a tornar nossa afeição uma obrigação, eu me fechei. Me fechei completamente. E não foi como se para Ryan tenha sido diferente. Nós somos corteses um com o outro, nos suportamos. Fazemos o máximo para tornar os nossos inevitáveis encontros menos torturantes, em vista que não teremos opção no final além de nos casarmos e construirmos uma família. Eu estava aceitando meu destino até me apaixonar por Sean.
No fim de tudo, a única coisa para que servirei será para ter filhos, selar uma aliança estável e sem ameaças, já que não possuo nenhum título real além do de "filha do irmão do rei". Não importa por quem eu me apaixonei, não importa se estarei feliz.
Ryan certamente poderá ser feliz. Poderá ter uma amante, terá bastante diversão em sua vida, enquanto se eu ousar traí-lo eu serei acusada pela igreja, além de envergonhar meu tio e meus pais.
É assim que funciona. É assim que sempre funcionou. E é com isso que vou ter que viver.
***
Pela janela do escritório, vejo claramente a silhueta de Lea iluminada pelas velas. Sua camisola azul voava atrás de si, como asas de um pássaro de seda.
Sei que ela não está feliz com o pedido de casamento antecipado. Talvez esteja até mesmo com raiva de mim, embora eu tenha discordado veementemente com isso. Houve um dia em que eu ficaria animado pela perspectiva de poder ter Lea como esposa o mais rápido possível, e eu sei que certamente ela também ansiaria por isso. Éramos amigos quando pequenos, um pouco mais que isso ao chegar dos 12 anos dela, ou seja, quando eu tinha 14 anos. No entanto, quando nosso encontros passaram a ser mais forçados pelos meus pais e o tio dela, todo o prazer da presença um do outro se foi.
Fazia algum tempo desde que eu a vi pela última vez. Antes de hoje, o ultimo dia em que a vi foi quando ela tinha 16 anos, em seu aniversário. Lembro que eu estava irritado. Extremamente irritado com ela. Brigamos, pois eu a estava vendo ser cortejada pelo Duque Sivon durante toda a festa. E ela permitia. Não saía de perto do Duque um momento sequer! Somos noivos desde sempre, e as pessoas falam! No momento em que eu tive a chance, eu puxei Lea para um canto mais afastado e a repreendi. Só não esperava que ela se revoltaria tanto. Ela gritou comigo, disse que graças a mim sua vida estava estragada, que não poderia ser feliz com um homem que amasse e eu poderia me divertir o quanto quisesse com as damas que quisesse, pois, afinal, eu sou homem e o príncipe da Irlanda.
Depois desse dia, eu me recusei a vê-la em qualquer visita, tendo que suportar sua presença somente quando ela era obrigada a ir na Irlanda. Os encontros eram somente por cortesia, e eu os odiava.
Eu planejava vê-la somente quando finalizasse o prazo e ela tivesse 21 anos, assim como consta no documento da aliança. Mas a Irlanda está caindo e sem o apoio total da Inglaterra e o cumprimento do contrato, não suportaremos mais nenhum ataque da Espanha e perderemos terras, terras preciosas para atender a demanda do povo por comida. Não tivemos opção, senão antecipar o casamento. Mas ainda assim...
Lea está bem diferente de quando tinha 16. Seu rosto perdeu a forma arredondada de criança e os olhos já não exibem mais aquela inocência infantil, dando lugar a algo mais... Algo que não sei se possui nome. Parece algum tipo de força descontrolada, uma determinação sem limites que me faz sentir algo realmente perturbador. Perturbador justamente por ter me intrigado tanto.
Apesar desta gravidade nos olhos eu notei outra coisa também. A graça de uma criança ainda tem lugar em seus movimentos. A delicadeza dos passos, a suavidade de sua voz surpresa ao ouvir meu pedido de casamento. Mas a indignação e a raiva nos olhos dela quando o Rei Richard a colocou contra a parede para dar uma resposta, isso não foi a indignação de uma criança. Foi a indignação de uma mulher, uma mulher quase formada que me causa extremo interesse. Uma mulher que, queira ela ou não, será minha rainha, a rainha da Irlanda. Minha esposa.
Lea continua de pé, serena no meio do círculo de roseiras. Só Deus sabe o que se passa em sua cabeça. O que eu não daria para desvendar o novo mistério de suas expressões discretas e controladas milimetricamente por um costume arcaico de mulheres subestimadas e subjulgadas pelo marido. O quanto eu queria que isso fosse diferente.
Escuto passos atrás de mim e me viro a tempo de ver um guarda dizendo:
- Vossa Majestade, o Rei Richard.
Faço uma respeitosa reverência ao rei, enquanto ele entra altivamente na sala.
- Vossa Graça. - cumprimento.
- Príncipe Ryan.
Richard olha para seus quatro guardas e lhes faz um sinal para saírem e fecharem a porta. Assim que eles o fazem, o rei contorna a mesa de nogueira que nos separa.
- A quê devo a honra da sua presença, Vossa Realeza? - pergunto.
- Bem, Ryan, você é o futuro noivo da minha sobrinha, a qual eu criei como filha. Eu gostaria que nós nos déssemos bem.
- E não nos damos, Majestade? - pergunto, confuso com a afirmação do rei.
Ele solta uma gargalhada baixa e rouca.
- Bem, meu filho, poderíamos ser mais. Desta forma eu poderia contar a você alguns... Segredos. - ele diz, dando alguns tapinhas nas minhas costas.
Ele dá a volta em mim, se posicionando na frente da janela, onde eu estava antes.
- Veja só, a Lea aprendeu bem. - ele suspira - Eu pensei que ao proibir os guardas de deixá-la sair ela se aquietaria em seus aposentos. Parece que eu estava errado.
Caminho até estar ao lado do Rei, para ter também a visão de Lea sentada no banco, olhando o jarro de rosas brancas. Por que ela foi proibida de sair durante as noites do castelo? Eu não vejo problema algum desde que ela fique dentro das muralhas.
- Eu tenho... Vigiado a Lady Lea. - Richard diz, como se tivesse lido meus pensamentos.
Viro-me bruscamente para ele.
- Posso perguntar, meu Rei, o motivo de tal atitude? - pergunto.
Ele coça a barba e limpa a garganta, desconfortável.
- Me desculpe, Vossa Majestade, se eu lhe pressionei... - peço.
Na verdade, não, não me desculpo. Não se pode jogar a notícia de que ele está vigiando minha noiva e simplesmente querer que eu deixe para lá.
- Não se preocupe, Ryan, você não o fez. - ele suspira - Eu só não gostaria que o que vou lhe contar afetasse nosso acordo de aliança. - diz, mais como uma pergunta do que como uma declaração.
Agora estou preocupado. Qual seria o segredo que é sério o bastante para ameaçar o acordo? O que a menina, quase mulher, tão elegante e delicada que vejo agora, parecendo tão frágil, está aprontando?
- Não se preocupe com isso, Majestade. O que me disser agora não influenciará nos nosso assuntos políticos. - garanto ao rei.
- Neste caso... - Richard se aproxima mais de mim, arrastando com ele sua imensa capa de pele de cordeiro atrás de si - Eu temo, Vossa Alteza, que minha sobrinha esteja afeiçoada a algum membro da guarda. Não sei qual, nem mesmo se é verdade o que lhe digo. Só sei que isto certamente influenciará em sua resposta ao pedido de casamento.
Estremeço ao ouvir. Estaria Lea tendo relações com o tal membro da guarda?
- Eu acho, Príncipe Ryan, que ela não se entregou para ele ainda. No entanto, devo dizer-lhe que minha sobrinha é bastante fervorosa em relação aos seus sentimentos. Então trate de conquistar ao menos a simpatia de Lea, a menos que não se importe em correr o risco dela não aceitar devido a algum repúdio à Vossa Alteza. Na consumação, ela precisa estar guardada. Senão correrá o risco de ter um herdeiro que não compartilha de seu sangue.
Então essa é a minha condição. Vou atrás da simpatia de Lea e dou um jeito de conquistá-la. Mas há um furo nisso tudo.
- Mas mesmo se eu conseguir, meu senhor, como garantiremos que os dois não se encontrarão depois do casamento? Acontecida a consumação não poderemos mais provar se algo foi feito ou não. - argumento.
- É por isso que eu procurarei por este soldado, e o convencerei a dar um fim nisso. Se não funcionar... Bem, acho que teremos que dar um jeito nele, não acha? - o rei diz morbidamente.
Engulo em seco. Não posso ter a fama de não poder segurar minha própria esposa. A Irlanda precisa de estabilidade e certeza, e um rumor sobre meu herdeiro não ser meu não ajudaria nisso. Mas não posso também matar um homem que simplesmente caiu nos encantos de Lea. E eu não creio que ela tenha passado de beijos com um guarda. Nosso acordo é o suficiente para segurá-la e a sua posição ser mais baixa que a minha também. Se isso acontecesse seria o fim para ela.
- Nada de matar o homem, eu lhe imploro, Majestade. - peço.
- Pensarei no assunto. - o rei afirma.
- Agora, Vossa Graça, se não se importar, eu gostaria de dormir um pouco.
- Fique à vontade, Ryan. - ele me dá passagem.
Faço uma reverência ao chegar na porta do escritório e ele me responde com aceno de cabeça moderado.
- Boa noite, Alteza. - os guardas ao lado de fora da sala dizem.
Passo direto por eles e vou até meus aposentos, sentindo o peso do que terei de fazer em minhas costas. Tenho uma semana para conquistar ao menos a amizade de Lea. Uma semana para acharmos e subornarmos o amante dela.
O que não me sai da cabeça é a noite dá consumação. Eu já tive diversos casos, nunca fui preso por esse tratado. Não me importaria tanto em ter várias pessoas olhando enquanto me entrego a outra. Mas para Lea é diferente. Ela é virgem, com toda a certeza. Não sei como sei disso, mas é visível em seu rosto para mim. Se ela perder sua virgindade comigo, sendo vista por uma dúzia de pessoas, não será bom. Ela pode se sentir mal, envergonhada. Eu não quero isso para ela. Ainda mais se ela não gostar de mim.
Retiro meu cinto da roupa e o casaco de couro preto enquanto penso em como estou me complicando. Poderia não me importar, qual um não se importaria. Eu não me importaria se fosse outra mulher. Mas eu sinto que é minha responsabilidade fazer Lea feliz, mesmo que não faça o menor sentido dada a minha posição na hierarquia.
Depois de retirar as minhas roupas e estar somente usando minha camisa de algodão e minha calça, me deito na cama olhando para a minha espada dentro da bainha do cinto. Essa espada me foi dada pelo meu avô, antes que ele se fosse desta terra e entrasse na paz do Senhor. Tem o cabo entalhado em ouro e a lâmina mais cortante de todo o Reino Unido. Me acompanhou em várias caçadas e lutas, sempre servindo bem. Esse é o tipo de rei que quero ser para a Irlanda.
Me acomodo mais nos lençóis brancos da cama, sentindo o vazio ao meu lado. Daqui a poucas semanas eu não me deitarei sozinho em nenhuma noite sequer. Terei uma esposa, Lea, para estar ao meu lado. E se o casamento for bem sucedido eu não desejo ter amantes. Somente ela, por ela e com ela. Espero que para ela seja a mesma coisa.
~•~
YEYY, segundo capítulo postado finalmente!!! Pra quem ficou curioso, o terceiro já tá lá no WattPad, e o quarto está a caminho!! Daqui a pouco tem o capítulo extra por aqui, e pra entender tudo direitinho, vai ter que ler a história toda!
Vai conferir nosso Instagram (@paixaoeobrigacao) e nossa página no Facebook (Paixão e Obrigação)! Por lá tem fotos dos personagens, avisos de quando tem capítulos ou posts novos e daqui a pouco terá joguinhos!!!
Beijinhos e até a proxima!!!










Comentários